quarta-feira, março 15, 2006

Cesário Verde e a sua Lisboa oitocentista: uma leitura de "Num Bairro Moderno"

Que Cesário Verde foi um poeta pouco reconhecido pelos seus pares já nós sabemos. Também sabemos que, apesar de não ter tido o devido reconhecimento, Cesário foi um dos mais importantes poetas da segunda geração realista.
De facto, o génio literário de Verde não foi reconhecido pelos intervenientes do mundo literário da sua época, mas a sua influência começou a ser particularmente notada na poesia do final do século XIX e a acentuar-se ainda mais no século XX. Poetas como António Nobre, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro, António Nobre e até Fernando Pessoa são confessos admiradores do estilo de Cesário Verde.
A sua poesia resistiu à indiferença e hoje assume-se como um marco da literatura portuguesa.
Cesário Verde foi testemunha fiel de uma época em que a Humanidade assistiu à maior revolução económica de todos os tempos. Essa época viu nascer a grande indústria e viu formar-se a alta burguesia. Essa era a época da Lisboa oitocentista. A Lisboa de Cesário era uma pequena cidade à escala europeia, com cerca de duzentos mil habitantes, insalubre e desconfortável. A água fornecida era insuficiente e os esgotos apenas chegavam a uma pequena parte da cidade, amontoado-se pelas ruas os dejectos. As doenças como a tuberculose, a cólera ou a febre amarela lavravam em surtos. Tudo isso está reflectido na poesia de Cesário Verde.
Um dos poemas que melhor reflecte as deambulações do poeta pela cidade é o poema “Num Bairro Moderno” . Neste poema, o poeta de Lisboa por excelência leva-nos com ele e mostra-nos a cidade e as suas múltiplas faces.
Situando temporalmente as cenas apresentadas: “...Dez horas da manhã...”, no caminho para o emprego, atravessando um bairro moderno, com a sua “...larga rua macadamizada...”, as casas apalaçadas e os jardins com as suas fontes; nesta deambulação o sujeito poético encontra uma vendedeira “...esgadelhada, feia...”, com a seu cabaz de legumes, que é humilhada por um criado, de mesma condição social que ela mas com um sentimento de superioridade bem marcado.
Os legumes que a rapariga vende servem de ponto de partida para uma construção antropomórfica de um ser belo e artístico: “... se eu transformasse os simples vegetais... num ser humano que se mova e exista / Cheio de belas proporções carnais?!”. A partir daí, assistimos a uma transfiguração em que de uma melancia surge uma cabeça, de uns repolhos nascem “...seios injectados...”, de cachos de uva brilham os olhos e onde as negras azeitonas são “... tranças de um cabelo que se ajeite...”.
Assistimos aqui ao jogo do real e do irreal onde os estímulos da circunstância, do momento invocam o que não está presente, não existe. Os legumes e as hortaliças lembram um corpo que não está lá.
A descrição do espaço envolvente faz-se não pela componente física do mesmo, mas sim pelas personagens que o habitam. Ou seja, a estrutura narrativa dos poemas de Cesário é constítuida por acções protagonizadas por agentes / actores. Essas personagens e os seus sentimentos marcam não só a componente espacial da poesia mas também a componente temporal da mesma. É através do desfilar das personagens que avançamos no tempo, quer seja ao longo do dia quer seja numa unidade temporal maior. Ao avançarmos no tempo avançamos obrigatoriamente no espaço, pois este binómio não é dissociável.
O poeta Cesário é um espectador da realidade que o rodeio, mas um espectador atento e com um olhar dissecador. As suas séries de adjectivos ajudam-nos a delimitar os contornos de uma imagem que de outra maneira seria deveras turva: “... sangue na ginja vívida, escarlate...”, “... dedos hirtos, rubros...”. O papel de espectador não o faz alhear-se da realidade que o rodeia e tenta contribuir para aliviar o sofrimento: “... acerquei-me dela, sem desprezo... nós levantámos todo aquele peso...”. O tema da mulher oprimida é marcante na poesia de Cesário. O poeta identifica-se e nutre compaixão pela mulher resignada, vítima da opressão da sociedade, humilhada. De facto, podemos verificar em muitos poemas do poeta que este toma partido pelos desfavorecidos, pelos injustiçados, pelos marginalizados e glorifica a força física e a pujança características do povo trabalhador.
Cesário é possuidor de uma técnica quase cinematográfica, em que partimos de um plano chegado, que foca pormenores particulares e que se vai abrindo lentamente até nos mostrar uma imagem completa do é suposto vermos. A exploração do espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa perspectiva de câmara de filmar, em que se vão fixando diversos planos. É uma espécie de olhar fragmentário, reflectindo o passeio obsessivo pela cidade. Apesar de se notar que estamos perante uma espécie de “poesia errante”, o olhar do transeunte é extremamente selectivo. O mais pequeno, trivial e despercebido dos pormenores, ao passar pela lente de Cesário, adquire uma complexidade e uma grandiosidade e torna-se objecto de reflexão e fonte de inspiração. O cabaz de hortaliças ganha beleza e sentido.
Enquadrado nessa estética de Cesário, um dos elementos que desempenha um importante papel é a luz. Todo o envolvimento é composto de luminosidade e cor. Destacam-se as “...brancuras quentes...” que ferem a vista; o sol com os “...seus raios de laranja destilada...”; a “...janela azul...”; o “...xadrez marmóreo duma escada...”; o “sangue na ginja vívida, escarlate...”; entre outros quadros coloridos. Podemos encontrar um certo contraste entre as cores claras e as cores escura, em que diferentes pontos de incidência da luz, valorizam de maneira distinta os objectos.
Estes efeitos de luz são perfeitamente captados pelo poeta e utilizados para fazer ressaltar a visão objectiva das formas mas sem desprezar a visão subjectiva das mesmas.
A linguagem de Cesário não precisa de recorrer a floreios linguísticos para tratar o meio envolvente. A sua linguagem é simples, comum no bom sentido da palavra, coerente e ao mesmo tempo apresenta uma multiplicidade de sentidos fabulosa. A adjectivação (simples e dupla) e a comparação são utilizadas com mestria, demostrando tanto o real retractado como a subjectividade imprimida pelo poeta; e as várias sinestesias mostram-nos as diversas percepções do real, transmitindo sugestões e impressões do mesmo.
Podemos dizer que o poeta tenta captar as impressões deixadas pelos objectos através do sentidos. Ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as que as coisas lhe deixam, percepcionando minuciosamente o real através dos sentidos e reflectindo a impressão que o exterior marca no interior do poeta.
Pela sua originalidade e constante contemporaniedade, podemos dizer que a poesia de Cesário marcou, marca e continuará a marcar a literatura portuguesa. Através do seu olhar é-nos possível apreender um mundo que já não está ao nosso alcance mas que se mantêm vivo na poesia de Cesário. Uma poesia extraída do real, do quotidiano, sem recusar as suas faces mais corriqueiras.

1 comentário:

Lilis disse...

A bloggar works escolares miudo?!É A PUTA DA LOUKURA!lololol...tá bonito sim senhor...bjus